Uma das coisas mais legais da minha infância, foi o incentivo à leitura que a minha família sempre deu. Eu lembro de ganhar livros antes mesmo de começar a ler. Adorava ver aquelas figuras bonitas e coloridas e imaginar tudo o que a estória estava contando. Depois que aprendi a decifrar o que elas diziam, minha fascinação por esse mundo só aumentou: era o meu passaporte pra visitar outras realidades e fantasias por aí à fora.
Um dos primeiros livros que ganhei foi o da "Alice no País das Maravilhas" e, por algum motivo, sempre foi o meu preferido. Talvez por fugir do clichê de "princesa-bela-e-frágil-é-maltratada-por-uma-bruxa-velha-e-malvada-e-come-o-pão-que-o-demo-amassou-até-ser-salva-por-um-lindo-príncipe-encantado-e-viver-feliz-para-sempre". Claro que eu sonhava com os meus "príncipes" (a maioria deles com o nariz escorrendo e enlouquecendo a vida das professoras), mas o resto da maioria dos contos de fadas sempre foi regular demais. Quer dizer: é fácil separar a boazinha e bonita, a recalcada e feiosa e alguém que surge do nada, em um lindo cavalo branco, com o cabelo penteado e o sorriso trabalhado no Colgate Whitening, mesmo depois de diiias cavalgando (imagina o cheiro dessa criatura, acho que foi por isso que a Bela Adormecida acordou) atrás do seu grande amor, para livrá-la de todas as mazelas de sua triste sina de princesa amaldiçoada. É tudo como se fosse uma máquina, com movimentos minuciosamente controlados produzindo o mesmo objeto no final. É perfeito demais pra ser vida.
Claro que eu não tinha essa consciência com 7 anos de idade, mas sempre teve algo que não cheirava bem nessa história toda, e não estou falando só do príncipe. Eu sou filha de pais separados desde que tinha 1 ano de idade, então sabia que nem todos os casais eram felizes para sempre. Eu era gordinha, feinha e desajeitada, por isso percebi que nem todas as "bruxinhas" eram malvadas. E os guris que eu conhecia estavam muito abaixo da linha do SAPO, e desconfio que nem uma bitoquinha iria adiantar muita coisa pra melhorar a situação deles.
Já a Alice, ela sempre foi diferente. Curiosa, ela foi atrás do impossível: um coelho de casaca e que sabia ver as horas? Por que não? Aí ela entra numa viagem muito louca onde encontra os seres e lugares mais estranhos nunca imaginados, onde ela diminui de tamanho, cresce mais do que deveria e quase se afoga em suas próprias lágrimas. Todo o tempo ela se questiona, é questionada pelos outros, é condicionada à fazer coisas que não entende, mas no fim das contas é ela quem faz suas próprias escolhas e acaba salvando o dia. Ela é a princesa, é a bruxa, é "o príncipe valente", é a heroína e a autora da sua própria história.
Muito mais interessante, né?
E mais: os personagens que fazem parte do País das Maravilhas são mais reais, apesar nenhum deles existir realmente. Eles são loucos, sábios, arrogantes, extravagantes, medrosos, gananciosos e compassivos...o que é mais humano do que isso? Aí dá pra ver um movimento que os outros contos de fadas não tem. E o que é a vida, se não puro movimento?
Acho que eu tenho citado e refletido tanto sobre a Alice, porque o meu momento é tão transitório quanto a sua história. Já estou seguindo meus próprios coelhos, só resta saber aonde eles irão me levar.